Mostrando postagens com marcador escolhas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador escolhas. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Sarjeta política

        

Sarjeta Política

A sala está escura, iluminada apenas por uma vela solitária no centro da mesa farta. A família está reunida: pais, avós, dois filhos. Ninguém toca na comida; o silêncio só é rompido por um barulho ao longe, um murmúrio que cresce em intensidade.

Cada um reflete sobre o dia que passou: escola, trabalho, idas ao banco, telefonemas, compras apressadas, conversas apressadas nos corredores. A mente parece estar em outro lugar, preocupada com algo maior, mais inquietante, mas ninguém ousa comentar.

O filho mais novo, num momento de coragem, tenta mais uma vez o apelo que tanto repete: quer ser chamado pelo nome de gênero escolhido. A mãe suspira, a voz carregada de tristeza:
— Amadinho, você recebeu o nome do seu avô, Ehleon... Trocar agora, por Joaquina? Entenda, é difícil para nós também.

A irmã, do outro lado da mesa, bufa de indignação:
— Que egoísmo o seu! Nosso mundo está desmoronando e você preocupado com nome? Por que tudo tem que ser tão complicado?

O pai, sentado em silêncio, mantém uma calma quase inumana. Ele olha para a filha, depois para o filho, tentando sorrir, mas a tristeza é visível. Abaixa a cabeça, não toca na comida. A quietude dele começa a assustar.

O garoto que quer ser tratado como menina sente o clima pesado, como se algo perigoso estivesse prestes a acontecer. Observa o pai, lembra-se dos vários telefonemas ao longo do dia, de quando ele desligou a televisão, bloqueou o Wi-Fi, confiscou os celulares. Ele tinha acabado de escrever para João Pedro – o amigo que tanto queria impressionar – quando o aparelho foi arrancado de sua mão.

O ruído distante aumenta, agora está perto demais. Mesmo com as janelas fechadas, luzes fortes azul e vermelha piscam através das cortinas. A menina tapa os ouvidos. O rapaz, distraído, esboça um sorriso – a luz o faz recordar uma noite recente, uma fuga, um encontro proibido.

De repente, o pai coloca as duas mãos sobre a mesa, e a mãe grita ao mesmo tempo em que a porta é arrombada com um pontapé. A sala antes escura agora se ilumina em um clarão que revela cada detalhe, cada rosto, cada expressão de medo e surpresa.

Naquele instante, nada mais importa: cargos políticos, sobrenomes importantes, mesadas generosas, as viagens a Porto de Galinhas, as noites em Buenos Aires, as férias em Abadia e os cruzeiros nas ilhas gregas em fevereiro, fugindo do carnaval brasileiro. A cena luxuosa e controlada se dissolve, expondo segredos e pecados familiares.

A verdade irrompe como as luzes que invadem a sala, dissipando a fantasia de estabilidade. As escolas caras, os carros novos, a lancha, os cartões e contas sem fim – tudo aquilo some, desce pelo ralo junto com a sensação de segurança. A realidade bate como uma tempestade lá fora, levando embora tudo o que eles julgavam ser sólido.

Agora só resta a escuridão. A escuridão política que assusta, que assola, que revela o vazio no qual todos estão imersos.

#poethaabiliomachado
#Sarjetapolitica
#12Nov201020h50



PSICÓLOGO AMGO OU AMIGO PSICÓLOGO

  Na delicada dança das relações humanas, um verso inesperado ecoa: "Muitas vezes não se quer um psicólogo, e sim um amigo." Essa...