Análise da obra “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde
A obra “O Retrato de Dorian Gray” (1890) de Oscar Wilde é um dos romances mais célebres do decadentismo inglês e um exemplo marcante do que se denomina literatura estética. Ela discute profundamente questões filosóficas e morais, como a relação entre beleza, juventude, moralidade e o conceito de identidade. A narrativa centra-se na figura de Dorian Gray, um jovem de extraordinária beleza, e sua busca por prazer e juventude eterna, à custa de sua alma.
1. Estética e Hedonismo: A Doutrina de Lord Henry
O romance se estrutura em torno de um conflito entre moralidade e estética, um dos principais pilares do pensamento de Wilde. A figura de Lord Henry Wotton desempenha um papel decisivo na formação de Dorian Gray, incutindo-lhe uma filosofia de vida baseada no hedonismo e na busca incessante pela satisfação dos prazeres sensoriais. A célebre frase de Lord Henry, “A única forma de se livrar de uma tentação é ceder a ela”, encapsula a essência do hedonismo que permeia o livro.
Para Lord Henry, a vida deve ser vivida em busca de experiências e prazeres estéticos, desconsiderando as normas morais impostas pela sociedade. Ele vê a moralidade como uma construção restritiva que sufoca a verdadeira liberdade do indivíduo. Dorian Gray, inicialmente um jovem inocente, é seduzido por esse discurso, e é essa transformação que marca o início de sua jornada em direção à corrupção. Aqui, Wilde faz uma crítica sutil à superficialidade da sociedade vitoriana, que priorizava as aparências, muitas vezes em detrimento da integridade moral.
2. A Degradação Moral de Dorian Gray
A verdadeira natureza da degradação de Dorian se manifesta quando ele faz um pacto implícito para que seu retrato envelheça em seu lugar, enquanto ele mantém sua juventude e beleza. A partir desse momento, o quadro passa a carregar o peso de seus atos imorais e de sua decadência interior. Esse pacto faustiano revela um profundo desprezo de Dorian pela vida moral, um reflexo direto da filosofia de Lord Henry. A partir do momento em que Dorian percebe o poder que lhe foi concedido, ele abandona qualquer senso de responsabilidade moral e entrega-se a uma vida de prazeres desenfreados e atos egoístas.
O retrato, que passa a envelhecer e deformar-se de acordo com a degradação moral de Dorian, é uma metáfora poderosa da relação entre aparência e essência. Embora Dorian preserve sua beleza exterior, sua alma se torna monstruosa e sua verdadeira natureza se revela no retrato, que se transforma em uma figura grotesca. Wilde parece sugerir que a beleza exterior não é um reflexo da bondade interior, e que, de fato, a preocupação obsessiva com a aparência pode levar à ruína moral.
3. O Retrato: Simbolismo e Dualidade
O retrato em si é o centro simbólico da obra, representando a dualidade entre aparência e realidade. É uma manifestação visual da psique fragmentada de Dorian Gray, que vive como duas pessoas: uma publicamente bela e admirada, e outra ocultamente corrompida e vil. Em termos psicanalíticos, pode-se argumentar que o quadro representa o Id, a parte mais primitiva e instintiva de Dorian, enquanto sua beleza física representa o Superego, a máscara social que ele apresenta ao mundo.
Dorian começa a viver uma existência dupla, encarnando o conceito de duplicidade moral que está presente em muitos romances vitorianos (como em O Médico e o Monstro, de Stevenson). À medida que seus atos se tornam mais vis e degradantes, o retrato reflete essa monstruosidade crescente, enquanto ele permanece externamente imune aos efeitos de suas ações. Wilde explora, aqui, a ideia da dissociação entre a vida pública e privada, um tema recorrente na literatura fin-de-siècle, especialmente em um contexto vitoriano caracterizado por uma rígida moralidade pública que, muitas vezes, ocultava vícios privados.
4. A Queda: Consequências da Corrupção Moral
Embora Dorian Gray pareça escapar das consequências físicas de seus atos, Wilde sugere que a corrupção moral tem um preço inevitável. Ao fim do romance, Dorian tenta destruir o retrato, na esperança de se livrar da marca de sua monstruosidade interior. No entanto, ao apunhalar o retrato, ele acaba causando a própria morte, sendo encontrado com uma faca no coração, enquanto o quadro retorna à sua forma original. Este desfecho trágico reflete a inevitabilidade da punição moral — Dorian não pode escapar de suas ações, e a tentativa de destruir o retrato é, em última análise, uma tentativa de negar sua própria culpa.
Este clímax reflete a visão de Wilde de que a vida estética e amoral, embora fascinante e sedutora, é insustentável a longo prazo. A busca incessante por prazer à custa dos outros e da própria integridade leva, finalmente, à destruição. O retrato, assim, não é apenas um símbolo de Dorian, mas também de toda a sociedade que valoriza a juventude e a beleza acima da moralidade e da virtude.
5. Crítica à Sociedade Vitoriana e a Hipocrisia Moral
“O Retrato de Dorian Gray” não é apenas uma reflexão sobre o hedonismo e a degradação moral individual, mas também uma crítica à sociedade vitoriana. Wilde era um crítico aguçado da hipocrisia moral de sua época, e através de personagens como Lord Henry e Dorian Gray, ele denuncia o comportamento de uma sociedade que valoriza as aparências e o conformismo social, enquanto esconde seus verdadeiros desejos e vícios. A própria figura de Dorian, com sua beleza externa e sua alma corrompida, serve como uma metáfora para essa sociedade que esconde suas impurezas sob uma fachada de respeito e decoro.
6. Conclusão: O Valor Estético e a Reflexão Moral
A obra de Wilde pode ser lida como um tratado filosófico sobre as tensões entre o valor estético e o valor moral. Embora Wilde, como um expoente do movimento esteticista, defenda a ideia de que a arte deve ser valorizada por si mesma, sem a necessidade de utilidade moral, “O Retrato de Dorian Gray” revela a fragilidade de uma vida dedicada apenas à estética. A beleza e a juventude podem ser fascinantes, mas quando divorciadas da moralidade, levam à ruína. Wilde mostra, portanto, que o ser humano é muito mais complexo e que a busca desenfreada por prazeres e pela beleza, sem considerar a ética, transforma o homem em algo monstruoso.
“O Retrato de Dorian Gray” é uma obra que desafia as noções tradicionais de moralidade e estética, questionando os limites entre o prazer e a ética, e entre a aparência e a essência. Por meio de Dorian Gray, Oscar Wilde explora as profundezas da alma humana e a tensão entre o que se vê e o que se é, oferecendo uma poderosa reflexão sobre a natureza da beleza e da corrupção moral.
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