quinta-feira, 15 de maio de 2025

A Dor Que Não Faz Barulho

 



A Dor Que Não Faz Barulho

por Abilio Machado, Psicoarteterapeuta


Num domingo qualquer, os sinos tocam na igreja da esquina, o parque se enche de risadas, e a bola corre solta entre crianças de tênis gasto. Mas em algum canto, um olhar se baixa quando deveria brilhar. Um corpo se encolhe mesmo ao sol. É domingo — e também o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.


156 notificações por dia. Mas quantas não chegam à estatística? Quantas vozes continuam presas, sem eco, afundadas na culpa, no medo, na vergonha que não lhes pertence? Porque o abuso não é apenas o ato violento em si — é o silêncio que vem depois. É a dor que ninguém vê, mas que molda tudo: o jeito de andar, o tom da voz, a forma de amar — ou de não conseguir mais amar.


A criança abusada, muitas vezes, continua indo à escola. Sorri nas fotos. Brinca no quintal. Mas algo está fora do lugar. O corpo começa a dar sinais antes mesmo que as palavras consigam. Um comportamento sexualizado precoce. Um isolamento repentino. Agressividade sem causa aparente. Medo desproporcional de certas pessoas ou lugares. Insônia, pesadelos, perdas cognitivas, queda no rendimento escolar. E o mais difícil: às vezes, tudo parece normal — mas ela parou de ser ela.


É aí que a atenção do adulto faz toda a diferença. O papel de quem cuida não é apenas prover alimento e abrigo. É enxergar o invisível. Ouvir o que não está sendo dito. Não minimizar. Não calar. Porque o abuso sexual raramente deixa marcas visíveis no corpo — mas arranca pedaços da alma.


E se for em casa? Se for com alguém próximo? Infelizmente, mais de 70% dos casos registrados envolvem alguém do círculo familiar ou de confiança. E isso torna tudo mais cruel. A criança aprende a duvidar de si mesma. A pensar que ela permitiu. Que mereceu. A carregar sozinha uma culpa que o adulto abusador deveria arrastar com correntes.


Neste domingo, a gente não quer flores nem palmas. A gente quer olhos atentos. Quer que o vizinho escute o choro ao lado. Que o professor perceba o silêncio diferente. Que o pediatra leia o medo no toque. Que a família creia antes de duvidar. A gente quer que cada adulto entenda que não saber é omissão, e que suspeitar e não agir pode ser cumplicidade.


E se o grito vier tímido, entre desenhos ou pesadelos contados, não interrompa. Acolha. Escute. E denuncie. O Disque 100 funciona todos os dias. E a denúncia pode salvar uma vida — ou a alma dela.


Neste domingo, a infância pede socorro. E quem ouve, pode ser a diferença entre a cicatriz e a ferida aberta.

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