Muito comum pensarmos que nos dispostos de Freud existe os Complexos de Édipo e Electra, e se pensarmos que ao invés de ter uma rivalidade ao pai, o menino ter uma rivalidade à mãe ou até mesmo querer substitui-la para que ela não sofra ou tenha dor, assim querendo fazer as vezes da mulher ?
Nos termos freudianos clássicos, mas sim por meio de leituras contemporâneas, lacanianas e queer da psicanálise.
🧠 1. Na teoria freudiana clássica: há margem?
Freud descreve o Complexo de Édipo masculino como:
Amor pela mãe + rivalidade com o pai → medo de castração → identificação com o pai → formação da identidade masculina.
Esse modelo é binário e heteronormativo, onde o menino se identifica com o pai para ganhar acesso simbólico à mãe no futuro, ainda supondo a visão que o menino tem o desejo latente pela mãe e não de ser a mãe.
👉 Então em Freud clássico, a rivalidade com a mãe não é contemplada.
Mas Freud sabia que nem todos seguiam esse “script” e falava em desvios, fixações, ou inversões (termo antigo para homossexualidade), mas sem a leitura empática e construtiva que temos hoje sobre gênero e identidade.
🪞 2. Uma leitura alternativa — Lacan e o simbólico
Jacques Lacan, reinterpretando Freud, afirma:
O sujeito não deseja “a mãe”, mas o desejo da mãe — ele quer ser o objeto que satisfaz o desejo dela, o que abre um campo mais amplo.
O pai, para Lacan, é uma função simbólica — ele barra o desejo incestuoso e introduz a lei e a linguagem (função do "Nome-do-Pai").
Agora, suponha:
Um menino percebe o sofrimento da mãe e quer ocupar o lugar dela, para protegê-la ou impedir seu sofrimento.
Em Lacan, isso poderia ser interpretado como:
O sujeito tentando subverter a função paterna.
Ou desejando se tornar o objeto de desejo da mãe, o que deslocaria a identificação do pai para a mãe — o que pode, simbolicamente, contribuir para uma construção identitária não-normativa, até feminina.
🌈 3. Leitura contemporânea: gênero como performance e identificação afetiva
Com autores como Judith Butler (1990) e Paul B. Preciado, a identidade de gênero não é apenas estruturada biologicamente ou edipicamente, mas:
Performada através de linguagem, desejo e afetos.
Produzida por identificações múltiplas com figuras parentais e sociais.
✨ Então sim: um menino que vê a mãe em sofrimento pode:
Rejeitar o pai como referência identificatória (não porque o teme, mas por se solidarizar com a mãe).
Identificar-se com a mãe, não como rival, mas como quem cuida, acolhe, sofre ou resiste.
Isso pode se desdobrar em formas singulares de subjetivação, que incluem vivências de gênero não normativas, inclusive transidentidades.
🔍 Exemplos clínicos (literatura psicanalítica):
Donald Winnicott fala de crianças que, diante de uma mãe deprimida ou ausente, tentam “ser a mãe da mãe”, invertendo papéis. Isso pode influenciar a identidade psíquica profundamente.
Casos clínicos contemporâneos, como os de Pierre Daco, discutem meninos que “encarnam” a dor da mãe, e isso molda seu modo de ser, de desejar e de se identificar.
Paul B. Preciado: propõe que a própria transição de gênero pode ser vista como um gesto de amor, política e linguagem, que redefine papéis internalizados.
✅ Conclusão:
Sim, é possível — embora fora do modelo freudiano clássico — que um menino se identifique com a mãe não como objeto de desejo, mas como modelo afetivo e ético:
alguém que ele quer proteger, salvar ou substituir para não vê-la sofrer.
Isso pode originar identificações femininas ou transgênero, não como patologia, mas como resposta psíquica singular à dinâmica familiar e ao desejo.
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