Esta crônica é uma análise de um poema que achei de profundidade psicológica, claro tem uns acréscimos sutis, meus pensamentos e um pouco dos estudos que venho fazendo dentro das sensações, pensamentos e comportamentos nestes anos. Há camadas filosóficas e psicológicas, pensamentos com referências integradas naturalmente... pois argumentos embazados creditam ou avalizam minhas letras juntadas em frases e orações...
O poema:
Quem?
Aqui jaz uma dama de extrema beleza,
Era suave nos passos e no coração
Acho que era a mais bela dama
Que já houve em todo o Oeste.
Sua beleza desaparece; a beleza é passageira;
Por mais rara, por mais rara que seja;
E quando eu desaparecer,
quem se lembrará desta dama do Oeste?
Walter de la Mare
Minha crônica:
"Quem seremos quando formos silêncio?"
Por Abilio Machado
Aqui repousa alguém. Não importa o nome, o rosto ou a época. Apenas alguém.
Alguém que um dia caminhou com leveza, acreditou na beleza, e, por instantes, sentiu-se eterno.
E então passou.
A transitoriedade da vida não é só um fato biológico, mas um fardo existencial. Envelhecer, perder, esvaziar-se: tudo isso é parte do currículo oculto de viver. Aprendemos a andar, a falar, a produzir. Mas não aprendemos a terminar. Não nos ensinaram a morrer em paz – nem a deixar ir o que amamos com leveza no coração.
Por isso a beleza nos dói tanto. Não por ser bela, mas por não durar. O poema de Walter de la Mare revela isso: a beleza, por mais rara, se dissolve. E com ela, uma parte nossa também se desfaz. É como se cada rosto que o tempo leva carregasse um pedaço da nossa memória emocional.
A fotografia, esse artifício moderno, não captura a alma — apenas a detém por um segundo antes de escorrer entre os dedos da eternidade.
Rever imagens antigas de nossos pais, avós, ou de artistas que um dia foram símbolos de vitalidade, é como olhar para espelhos que sussurram: “isso também passará contigo”.
Mas será que isso é apenas perda? Talvez não.
A velhice, essa grande niveladora, nos torna iguais não pela decadência, mas pela revelação: todos temos um fim e, portanto, todos temos um valor. Quem chegou ao auge — mesmo que só por um instante — já viveu algo extraordinário.
Erik Erikson, psicólogo do desenvolvimento, chamou isso de "integridade do ego": a última etapa da vida, em que se espera olhar para o vivido com um senso de completude, e não de desespero. Mas isso exige coragem. A coragem de não negar a decadência, mas aceitá-la como a assinatura do tempo nas obras mais humanas.
Somos herdeiros do silêncio de nossos antepassados.
Não lembramos seus nomes, mas carregamos seus traços, seus medos e esperanças. Sentimos como eles sentiram, amamos como eles amaram, tememos como eles temeram. E, no entanto, acreditamos que somos os primeiros a viver tudo isso.
Não somos.
A condição humana é um ciclo contínuo de perguntas não respondidas e belezas passageiras.
E, daqui a 200 anos, quando ninguém lembrar dos nossos rostos, talvez alguém ainda repita:
"Quem se lembrará do que fui, quando eu desaparecer?"
O sol já viu tudo — e não guarda nada.
A eternidade não coleciona lembranças, apenas continua.
Mas talvez, num plano mais amplo, onde o tempo não mede, nem separa, nos reencontremos.
Não como corpos que cessam, mas como consciências que despertam.
Como diria Carl Jung, “A vida não vivida é uma doença da alma.” Talvez este ciclo que chamamos vida seja apenas um estágio de formação — uma incubadora para a consciência.
Como alunos que, ao fim da última aula, saem pelas portas da escola não tristes, mas aliviados.
Talvez descubramos que a vida era só isso:
Uma breve sala de aula, onde aprendemos a amar o que passava, e a aceitar que o fim, no fundo, era só uma vírgula — antes de algo muito maior.
Referências integradas:
Walter de la Mare (poeta original citado: Quem?)
Erik Erikson – Psicologia do Desenvolvimento (Teoria Psicossocial)
Carl Gustav Jung – Psicologia Analítica (conceito da individuação e da vida não vivida)
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