Exercício de resumo na formação de especialista em docência de filosofia e teologia...
Qual a línguagem de Deus?
Abilio Machado
Resumo
O livro de Collins pretende responder se é
possível ou não a harmonia entre descobertas científicas e a
existência de Deus. Ao avaliar essa questão, a Gênesis é
questionada e, após análise teológica superficial, ele conclui que
o relato inicial do primeiro livro da Bíblia é uma alegoria poética
da criação. O capítulo sete é uma avaliação de duas posturas
sobre a relação entre fé e ciência: ateísmo e agnosticismo.
No
primeiro caso, o autor rebate as contradições levantadas por
Richard Dawkins, professor de Oxford e autor de uma série de livros
contra toda postura religiosa na sociedade moderna e na ciência. A
resposta dada a Dawkins é que suas afirmações se baseiam no que as
pessoas fazem da religião e não em sua essência propriamente dita:
“É muito fácil para Dawkins atacar a caricatura da fé que ele
nos apresenta, mas não se trata da fé real”.
Quanto
ao agnosticismo, afirma o escritor: “Embora o agnosticismo seja uma
posição cômoda para muitos, do ponto de vista intelectual ele
transmite certa fragilidade. Será que iríamos respeitar alguém que
insistisse em dizer que a idade do universo não pode ser conhecida
nem parou para verificar as evidências?”. Mas, fingir que o
problema não existe não significa resolvê-lo.
Nos
capítulos oito e nove, Collins trata do criacionismo e do desígnio
inteligente, mas não apoia nenhuma das duas posições. Sua objeção
ao criacionismo prende-se à literalidade do Gênesis e sua falta de
explicações para algumas evidências genéticas, apresentadas em
seu livro, favoráveis à evolução. Diz ele: “Assim, de acordo
com a lógica racional, o criacionismo da Terra Jovem chegou a um
ponto de falência intelectual, tanto em sua ciência quanto em sua
teologia. Sua insistência é, assim, um dos maiores enigmas e uma
das maiores tragédias de nosso tempo. Ao atacar as bases de
praticamente cada ramificação da ciência, ele amplia a ruptura
entre as visões de mundo, científica e espiritual, justamente numa
época em que se necessita desesperadamente de um caminho em direção
à harmonia”.
A
força de tal afirmação não condiz com a fraqueza dos argumentos,
pois o melhor caminho para a harmonia não está em tornar o Gênesis
uma representação poética já que, em termos de análise teológica
completa, sua literalidade pode ser defendida. Explicar um fenômeno
não implica falsidade de uma teoria, mas pode implicar compreensão
incompleta. Há inúmeras situações para as quais a teoria da
evolução não tem explicação completa, mas o cristianismo
apresenta uma resposta cientificamente fundamentada. Exemplo disso é
a explosão do Cambriano, que pode ser explicada por uma catástrofe
global como o dilúvio bíblico.
Ao
tratar do desígnio inteligente, sua atenção se concentra na
ausência de previsões científicas dessa teoria e em “imperfeições”
em determinados organismos humanos, como o dente siso, a coluna e o
olho. Contudo, suas afirmações não explicam o processo ocorrido
para atingir a formação de determinados organismos complexos, e
ignora que vários órgãos considerados sem importância, as
“imperfeições”, tiveram suas funções compreendidas.
No
fim do livro, Collins propõe uma posição chamada por ele de
“BioLogos”, na qual afirma a existência de Deus, mas Sua ação
na criação e no desenvolvimento do universo ocorreu por meio de um
processo lento, de bilhões de anos de auto-organização, com base
na teoria do Big Bang e na teoria da evolução. Sua postura
contrasta com a exigência de critérios e cientificidade
apresentadas no livro, pois relega Deus a um papel secundário na
criação.
Avaliação
Crítica
Não
se pode negar que Francis Collins seja um cientista de primeira
linha. O fato de ter alcançado o posto de diretor do Projeto Genoma
lhe deu muita visibilidade e certamente teve peso determinante nas
vendagens de sua obra. Apesar disso, seu conceito de BioLogos não
ganhou tanta aceitação e difusão como o Design Inteligente.
Contudo, apesar de sua reputação como cientista, seus argumentos a
favor da existência de Deus não vão muito além do que a teologia
liberal havia colocado há mais de um século. Mas ele tem o mérito
de não ser fundamentalista. Collins não quer usar a ciência para
provar o Gênesis, reconhece a veridicidade e importância do
evolucionismo como fundamento da ciência moderna, aceita os
pressupostos do Big Bang, é arredio com relação a teorias
pseudocientíficas como o Design Inteligente e não pretende
transformar seu BioLogos em algo semelhante.
Contudo,
não justifica sua afirmação de que o ateísmo é a menos racional
das visões possíveis sobre o mundo e nesse ponto parece cair na
mesma armadilha de qualquer cristão não cientista: o ateísmo tende
a ser amoral, é perigoso e nega a “óbvia” existência de um
criador. É redutivo e excessivamente sintético quando fala do
agnosticismo, como se estivesse evitando escrever sobre as concepções
pelas quais não têm empatia. No final, o que fica da leitura de sua
obra é que ele sempre foi um homem profundamente religioso e, movido
pela necessidade pessoal de encontrar um sentido para a existência
fora das pesquisas de laboratório, fez um esforço hercúleo para
conciliar seu teísmo com a ciência. Em toda a obra, apresenta
basicamente duas evidências a favor da existência de Deus: a Lei
Moral de C.S. Lewis e a crença espiritual presente em virtualmente
todas as culturas. Para ele, essa é a linguagem de Deus, inscrita de
forma sutil, mas indelével na genética humana, cujo mapeamento
(genoma) ele ajudou a decifrar.
Sua
tentativa de estabelecer um diálogo entre a religião e a ciência,
em que a primeira não precisa invalidar a segunda quando se sente
ameaçada por ela, é uma iniciativa elogiável. Collins pode não
ter sido um ateu muito seguro na juventude, mas o fato de ter se
afastado da religião por um tempo e escolhido uma carreira
científica deixou marcas positivas. No fundo, seu Deus evolucionista
também não deixa de ser um Deus de lacunas, e, como todos os
deuses, foram criados por ele mesmo para suprir suas necessidades
particulares. Collins é um religioso que atravessou muitos conflitos
internos até escolher entre a fé o ceticismo, talvez por isso não
se sinta bem em falar do ateísmo, mas precisou sufocar sua descrença
para dar sentido à vivência de uma espiritualidade mística.
Aplicação
Prática
Se
houvesse apenas uma crença baseada em evidências, não existiriam
as guerras religiosas, responsáveis pelas maiores atrocidades
cometidas na historia da humanidade. Se todos pensassem da mesma
forma, baseados em evidencias (o que seria ainda melhor, porque
garantiria ao menos que esse pensamento estaria correto), não
haveria discórdia. E um cientista dizendo que isso seria
desinteressante é um argumento triste.
Acho
engraçado dizer que Deus nos deu o livre arbítrio para acreditarmos
no que quisermos, mas se não acreditarmos nele, então seremos
punidos. Onde se aplica este livre arbítrio? E se Deus é o
superior, sabe o quão “involuídos” espiritualmente nós somos
e, por isso, olharia para nós com compreensão se decidíssemos não
acreditar nele e não com sentimento de punição, mais uma vez,
essencialmente humano.
Por
todos esses motivos, não acredito no Deus, essencialmente humano, da
bíblia, pois, as histórias lá contadas são fruto da imaginação
ou da fraude de homens que precisavam de um argumento de poder para
liderar, especialmente no velho testamento - não se pode
simplesmente ignorar aquele Deus que agia como humano e dizer que no
novo testamento, ele se redimiu e começou a pregar a bondade para
com todos, além de seu povo. Se a bíblia fala de um Deus
onipotente, então é nesse único soberano, essencialmente humano,
em quem não acredito.
O
que os cristãos não entendem é que não acreditar no Deus da
bíblia, não me impede de acreditar, pois, posso acreditar na
existência de um ser superior envolto de amor, que não seja o deus
da bíblia. Seria um ser superior com uma genuína preocupação com
um quase semelhante (em termos evolutivos) que eventualmente teria
interesse em nos ajudar a passar por essa fase tão primitiva em que
nos encontramos onde Ele já superou há muito tempo. Para mim esse
seria o Deus mais lógico para qualquer cientista: uma criatura tão
evoluída que para nós, pode ser designada como “Deus”, porém,
que está de acordo com a ciência da evolução e com as observações
empíricas que fazemos.
Porque
não pode haver existência de algum tipo de vida após a morte, mas
que continue evoluindo nos mesmos padrões que observamos no mundo
físico? Se o bóson de higgs, descoberto recentemente, apresenta uma
variante da teoria do surgimento do universo, indicando que ainda
antes do big bang, houve uma outra fase de interação da matéria
com o imaterial, porque o oposto não pode acontecer quando a nossa
matéria morre e talvez ainda continue existindo algum tipo de
matéria que nos caracterize? E que vai continuar seu caminho
evolutivo ou não, da mesma forma que a matéria sem depender da
interferência de um poder criador, mas de combinações de
circunstâncias e eventos físicos (lembrando que a física teórica
também se aplica à “imatéria”). Einstein já dizia que matéria
e energia (imatéria) são intercambiáveis, então o que impede de
descobrirmos que a matéria vira energia consciente após a morte?
Acho
engraçado que quando se fala de Deus e religião, a fé não precisa
ser provada e não pode ser questionada, mas quando a situação se
inverte, os primeiros a exigirem provas são os exageradamente
“crentes”. O autor diz que os milagres são raros, mas para quem
acredita num Deus interventor, eles existem e para quem não
acredita, eles podem ser explicados pelas leis da natureza e então o
autor lança a pérola “pode, porém, esse ponto de vista ser
totalmente confirmado?”, ou seja, se as leis da natureza não
explicam tudo, só pode ser uma intervenção divina.
Mesmo
que a ideia que você vai defender seja baseada em fé, os princípios
dessa fé não podem se contradizer para ter sentido porque a questão
é justamente que a lógica não pode ser afastada nem dos que alegam
que a fé não precisa de provas, mesmo uma premissa que se afirme
por si só (independente de provas) precisa seguir uma coerência
lógica com o raciocínio que vier depois (seja qual for) e isso que
muitos crentes não entendem embora o autor, em muitos trechos do
livro tenha buscado essa coerência, rejeitando o criacionismo
bíblico literal e outras teorias absurdas que tentam explicar a fé
em deus interventor.
O
autor ataca o ateísmo porque diz ser “uma posição logicamente
indefensável”, mas quase defende o agnosticismo, por ser
“compatível com a teoria da evolução e muitos biólogos se
colocariam nesse campo”. Se o agnosticismo é compatível com a
teoria da evolução, porque o cristianismo também seria? O problema
é que ele se força a tomar uma posição frente os dados que temos
hoje, o que pode levar a uma conclusão forçada por medo de ficar em
cima do muro e vir a ser punido. Preciso discordar do seu comentário
quando diz que “é raro ver um agnóstico que se empenhou em
avaliar todas as evidências favoráveis e contrárias à existência
de deus”.
Não
acho justo encarar o agnosticismo como covardia. Se uma pessoa não
considera suficientes nenhum dos argumentos apresentados, por que
deve ser obrigada a escolher algum, ao invés de esperar pelo
surgimento de outro melhor? A ciência e a própria filosofia humana
progridem a cada dia e quem garante que no futuro não existirá uma
explicação melhor e mais aceitável pra mim, do que as que existem
hoje? Chamar agnosticismo de covardia é querer incutir na mente do
outro as próprias convicções, típico da natureza do ser humano,
mas inválido como argumento.
Enfim,
a tentativa do Collins de harmonizar seu trabalho científico (de
grande valor) à sua crença religiosa é falha, pois os maiores
argumentos usados (lei moral do homem, universo vindo do nada e
universo “certo” para o homem) já foram longamente refutados por
vários pensadores. A verdade é que a crença no Deus da bíblia
continua sendo uma escolha, que também não resiste a argumentos
lógicos e comumente apela para a “fé cega”, que não precisa de
provas. O que os crentes não entendem é que todo sistema de crenças
(seja ele baseado em fé ou não) deve ter coerência em suas
premissas, o que não acontece com a fé no deus da bíblia. Não é
uma questão de impor a razão à fé, mas de pretender qualquer
raciocínio lógico sobre as próprias premissas daquela fé. Os
crentes têm dificuldade de entender isso, mas a verdade é que suas
premissas são contraditórias por si mesmas independente da fé ser
provada ou não.
Bibliografia
Collins,
F. C. (2007). A
Linguagem de Deus.
Editora Gente.